sábado, 20 de abril de 2024


Capítulo 1 - 

No frio da madrugada



    Quando eu era pequena sempre tive como companhia a minha fiel babá, Dorothy Miller, e uma bonequinha de porcelana linda com cachinhos dourados chamada Filly, diminutivo de Felicity, que eu levava para todos os lugares comigo. Meus pais nunca foram presentes, eram sempre muito ocupados e só realmente passavam um tempo comigo quando era manhã de Natal. No meu aniversário, na Páscoa, ou qualquer outro feriado ao longo do ano eu passava com Dothy e Filly, na maioria das vezes Dothy me levava para a casa dela e nós passávamos os feriados com a família dela, o marido e o filho. Eu gostava de quando íamos ver a família dela, pois eram as únicas pessoas com quem eu tinha contato e que não eram professores ou empregados, então era como ir ao paraíso.
    O filho de Dothy era um garoto dois anos mais velho que eu chamado Thomas, era chato, mas ainda assim era uma criança com quem eu podia brincar, Dothy sempre o obrigava a brincar comigo e esse era o ponto alto da minha infância. Brincar com Thommy nunca era fácil, afinal ele era um garoto e não queria brincar com uma menininha mais nova que ele, mas eu sempre corria atrás dele e o obrigava a brincar comigo, apesar das diversas recusas e caretas e tapas que ele me dava eu nunca desisti dele.
    Conforme eu fui crescendo, nada mudava, eu continuava tendo contato apenas com Dothy, os professores particulares e os empregados da casa, e algumas raras vezes eu encontrava com Thomas em feriados que Dothy tinha permissão de me levar à casa dela. Ao longo do tempo Thomas foi crescendo e se tornando um rapaz muito bonito, ele também era o único rapaz com quem eu tinha contato, já que o meu pai era muito rígido e não me deixava andar com qualquer companhia, principalmente garotos.
    Aos 16 anos eu não precisava mais da minha bonequinha de porcelana e só tinha a Dothy, então comecei a me rebelar contra a minha família, estava cansada de viver trancada e sozinha. Thomas foi a primeira parte da minha rebeldia, comecei a namorar com ele, vivia para cima e para baixo grudada nele, sempre que havia uma oportunidade de esfregá-lo na cara dos meus pais, eu o fazia. Apesar de ter como intuito irritar os meus pais, eu gostava muito dele, muito mesmo. Thomas era gentil e bonito, ele me distraía, me apoiava e me levava para lugares que eu nunca tinha visitado. Tomei o meu primeiro porre com ele, fiz uma tatuagem escondida com ele (uma pequena rosa na virilha), e perdi a minha virgindade com ele. Ele era o único homem em minha vida e eu queria fugir e me casar com ele, mesmo aos 16 anos. Thomas era o meu refúgio no meio da loucura que era ser uma Molnar.
    Thomas também gostava de mim, afinal eu nunca fui feia, não é querendo me gabar, mas eu puxei a beleza da minha mãe, os cabelos castanhos, o corpo franzino, mas com peitos e bunda de tamanhos agradáveis, os olhos azuis bem claros, rosto bonito e delicado. Dothy sempre disse que eu poderia ser modelo se eu quisesse, e eu realmente pensava na possibilidade, mas os meus pais nunca permitiram, então acabou sendo apenas mais um sonho frustrado por Otto e Nora Molnar. Agora, com meus 24 anos, não mudei muito, na verdade continuo a mesma, uma versão mais jovem e mais bonita da minha mãe, mas com um corpo mais adulto, peitos de verdade e uma bunda linda, que é o meu xodó particular. Nossa, isso soou bem egocêntrico, mas não me leve a mal, é que eu sempre escutei esse tipo de coisa ao meu respeito, então acabou fixando em minha mente.
    Enfim, Thomas foi constante em minha vida desde os 16 anos e quando completei os 18 decidi que ou eu fugia com ele, ou eu fugia sozinha. Infelizmente, ou felizmente, ele tinha 20 anos quando decidi vir para Londres, ele estava em uma fase da vida que preferia não se comprometer, mesmo comigo, então nós terminamos no aeroporto quando eu estava indo embora. Passamos dois anos juntos, dois longos e bem vividos anos de muito amor e loucura adolescente. Nós não brigamos, não nos odiamos, foi uma despedida emocionante e sem remorsos, ambos ficamos muito satisfeitos com o tempo que passamos juntos, ambos nos ajudamos a crescer e fomos muito felizes juntos, e apesar desses seis anos longe dele eu ainda o amo, ele foi o meu primeiro amor e uma parte minha sempre o amará.
    Mas agora, olhando o casal jovem que está em uma das mesas que eu atendo no The Orangery Restaurant, só consigo me lembrar de Thomas e em como ele foi a minha tábua de salvação na época negra da minha vida. Ele e Dothy, que foi uma mãe que eu não tive. Tenho me comunicado muito pouco com eles desde que vim para Londres, decido escrever mais vezes para lhes contar as novidades da minha nova vida e saber mais da vida deles agora, a saudade sempre aperta quando me lembro deles.
    Ezra está do outro lado do salão, ainda é cedo para o horário do almoço e as poucas mesas que estão ocupadas já foram atendidas, sutilmente ele desliza pelo salão e para ao meu lado, ele sorri suavemente e encosta o braço no meu enquanto nós dois continuamos virados para o salão, esperando algum novo cliente ocupar uma das mesas vagas.

— O que houve, Aliz? Você está com aquele olhar triste de novo — murmura ele e eu rio.
— Só estou lembrando de umas bobagens, nada demais — tranquilizo-o.
— Sério? Tem certeza? Porque se não estiver se sentindo bem, eu posso providenciar um socorro imediato e no final do turno as meninas estarão aqui para ajudá-la, podemos sair e tomar um daqueles frappuccinos naquela cafeteria que você gosta, ou podemos sair para beber alguma coisa. Você escolhe — oferece ele, sempre solicito. Ezra é a melhor pessoa do mundo, sempre se preocupa com o bem-estar dos outros e é o meu irmão adotado, gosto de verdade dele.
— Não sei se elas vão querer, Mandy trabalha amanhã — dou de ombros, ele ri desdenhoso.
— Mas a gente não, hoje é sexta, temos o fim de semana livre, é péssimo para Mandy, mas aposto que se a gente sair ela vai junto, independente de trabalhar amanhã ou não.
— Acho que podemos sair, você fala com elas? Estou com vontade de beber alguma coisa.
— Pode deixar, eu marco com elas — ele pisca para mim e então volta sutilmente para o outro lado do salão.

    Aproveito o distanciamento dele e vou atender a mesa número cinco, onde duas mulheres acabam de se sentar.

♥♥♥♥

    Cradle Walk é uma pérgula em arco que rodeia todo o jardim, formando um túnel de plantas com uma linda visão do Sunken Garden e fica bem próximo à Orangery. É o meu lugar preferido em todo Kensington Gardens. Durante a primavera é uma visão dos deuses, mas eu gosto mais no inverno, quando o túnel está todo coberto de neve e poucas pessoas transitam por ali, é como andar em um jardim de conto de fadas.
    Todo os dias eu almoço em um dos bancos do Cradle Walk, na maioria das vezes Ezra me faz companhia, mas hoje estou sozinha com o meu sanduíche de peito de peru e queijo branco. O túnel é longo e verde, há muitas pessoas admirando a vista do jardim preferido da falecida princesa Millene, noiva do príncipe Ethan, o herdeiro que faleceu há 10 anos. Eu gosto muito de observar os turistas, porque eles têm o mesmo olhar estupefato que eu tinha quando vi esse lugar pela primeira vez, é uma visão surreal.
    Logo tenho que voltar ao trabalho e não tenho mais tempo de me preocupar com nada, pois o movimento na hora do almoço é gigantesco todos os dias. Só consigo parar para respirar no final do meu turno, quando Ezra e eu nos encaminhamos para os armários e recolhemos nossas coisas. Nós saímos do Orangery e passamos pelo Cradle Walk para sair dos jardins e andar até em casa.

— As meninas estão animadas para mais tarde — comenta Ezra quando viramos a esquina da Pembridge Rd e entramos na Portobello Rd, a rua onde fica a casa que eu divido com as meninas.
— Eu também tô, preciso beber alguma coisa urgentemente! — falo empolgada e ele ri.

    Está começando a escurecer e os feirantes começam a empacotar suas coisas e desmontar as barracas que ficam espalhadas pela rua, no caminho até em casa eu compro alguns limões sicilianos lindos e algumas maçãs, então nós chegamos até a minha casinha linda de três andares e encontramos as garotas na cozinha, no primeiro andar.
    Vejo minhas duas colegas de casa dividindo um pacote de biscoitos oreo com o meu nome, é a única coisa que faço questão de nomear para que ninguém toque, biscoitos oreo são o meu vício secreto e as duas ratinhas devoraram o meu último pacote. Quando notam a minha presença rapidamente elas escondem as provas e abrem sorrisos angelicais.

— Aliz, querida, oi. Que bom que vocês chegaram! — Nikki rapidamente se levanta e cumprimenta Ezra com um beijo estalado. Ela está absurdamente linda usando um vestido justo de veludo cor de vinho com alças finas e olhos esfumaçados realçando a cor azul de seus olhos.
— Vocês acabaram de comer o meu último pacote? — pergunto rabugenta, Nikki balança a cabeça veemente negando e seus cabelos loiros esvoaçam e batem no rosto de Ezra, que faz uma careta.
— Sim, mas iremos comprar mais amanhã, baby, não se preocupe — admite Mandy e Nikki bufa. Os cabelos ruivos de Mandy estão alisados e seus lábios de um tom vermelho vivo se abrem em um sorriso arteiro, ela usa um vestido preto com duas alças fininhas de cada lado dos ombros e um tecido leve que exaltava as curvas de seu corpo. — Vocês dois podem ir se arrumar, sejam rápidos! — ela ordena autoritária, em seguida leva o último biscoito que estava escondido à boca.

    Um pouco contrariada eu sigo para o banheiro, tomo um banho quente e me enrolo na minha toalha do Batman. Sim, eu tenho uma toalha do Batman, na verdade foi a primeira coisa que comprei após sair da casa dos meus pais, porque minha mãe nunca me deixava ter nada relacionado a heróis por achar que eram coisas de meninos. Após longos anos sendo usada, o escudo do Cavaleiro das Trevas já está desbotando e restara apenas as letras BMN nela, mas continua sendo a minha favorita. No meu quarto, eu capricho no esfumado dos olhos e passo um gloss rosa nos lábios, escolho um vestido preto colado ao corpo com manga comprida de um ombro só e faixas ao longo do abdômen que deixavam um pouco de pele à mostra e salto alto preto, seco e penteio meu cabelo castanho e guardo o necessário em uma bolsinha pequena preta Gucci falsificada.
    Encontro com as meninas na sala e Ezra já está com elas, de banho tomado, cabelo penteado, jeans escuros, camisa social cinza clara e tênis preto com o símbolo da Adidas. Ele não mora conosco, mas tem muitas peças de roupas dele no guarda-roupas de Nikki para casos de emergências como essa.
    Seguimos para o nosso bar preferido, o Little Yellow Door, um lugar pitoresco e bem íntimo em Notting Hill Gate que poucas pessoas conhecem. O bar é um lugar adorável, tem sofás cheios de almofadas, objetos vintage que decoram o lugar e que foram doados pelos próprios funcionários, trilha sonora com baladas dos anos 80 e 90, pessoas estilosas e, melhor ainda, bebidas de todos os tipos. Até o banheiro do local é cult, além dos objetos que os funcionários doaram para a decoração, há também muitas fotos pornográficas dos anos 20 e 30 nas paredes. O melhor é que o bar é descendo a rua Pembridge, perfeito para encher a cara e voltar cambaleando pela rua durante cinco minutos e entrar em casa.
    Nós entregamos nossos casacos para a recepcionista que estava na entrada e nos sentamos em um sofá acolchoado cheio de almofadas coloridas no canto da sala onde habitualmente ficamos, o movimento é fraco, como sempre, mas o bar nunca está vazio.

— Começamos com cervejas? — pergunta Ezra, passando um braço ao redor de Nikki, todas concordamos e ele fala os pedidos para o belo garçom que eu sempre paquero quando venho aqui, mas que nunca de fato nos apresentamos ou trocamos telefones, é apenas um flerte inocente.
— Então, bebê, conta para gente, por que solicitou essa reunião de emergência? — Mandy vai direto ao ponto, eu me aconchego no sofá e estico as pernas para apoiar na mesinha de centro à minha frente.
— Eu só estava um pouco nostálgica e Ezra achou que eu precisava me distrair, nada demais, estava me lembrando da época negra da minha vida. Mas agora eu tô bem, só quero beber até o bar fechar e então beber até cair em casa — falo animada, esboçando um sorriso doce.
— Seu desejo é uma ordem, linda! — diz o garçom gato surgindo com os nossos pedidos.
— Obrigada, querido — agradeço quando ele me entrega a minha Stella Artois, a cerveja belga conhecida no mundo todo e de longe a minha favorita.
— E um shot por conta da casa, Jose Cuervo — ele me entrega o copo de tequila e pisca, não consigo conter o largo sorriso que se espalha pelo meu rosto, ele é realmente uma graça.
— Obrigada, você é um charme — falo docemente e me inclino para dar-lhe um beijo na bochecha, ele sorri e sai para atender outros clientes.
— Quando vocês finalmente vão se pegar? — pergunta Nikki, sorrindo ironicamente.
— Ele é um gato — diz Mandy e eu concordo com um aceno de cabeça e um sorriso bobo nos lábios.
— Ouvi dizer que o nome dele é Duncan — fala Ezra, bem informado como sempre.

    Depois das cervejas nós pedimos o Towering Inferno, uma jarra para quatro pessoas com suco de fruta que mascara um pouco o sabor forte do álcool, é delicioso e nós bebemos direto da jarra com canudos gigantes. Nós quatro bebemos três torres antes de ficarmos um pouco bêbados, então começamos a jogar damas com shots no lugar das peças. Eu jogo contra Mandy e a cada peça que "pesco" dela é um shot que eu bebo, no fim ela ganha a partida e eu tenho que beber todos os shots que restaram e mais os que ela pescou, no caso bebeu.
    Em algum momento da noite, Duncan nos serve alguns sanduíches de patê de frango para que não fiquemos tão ruins no dia seguinte, nós flertamos e então ele volta ao trabalho, enquanto como o meu sanduíche percebo um movimento anormal no cômodo reservado para oito pessoas que fica no cômodo em frente ao nosso. Está cheio de homens altos e de terno, nunca os havia visto por ali antes, os ternos parecem ser caros e feitos sob medida, todos bebem vinho e isso por si só deixa claro que são alguns riquinhos metidos a besta. Quem vem ao The Little Yellow Door e não experimenta o Towering Inferno, nem deveria vir. Logo perco o interesse neles quando Ezra nos convida para jogar Monopoly, o meu jogo favorito.
    Apesar de estar para lá de bêbada, consigo ganhar a primeira partida, talvez seja porque os outros estão bem mais bêbados do que eu. Quando percebemos, já estávamos finalizando a quinta jarra e Duncan está nos trazendo a conta e avisando que o bar está fechando.
    Eu entrego o meu cartão ao belo garçom de cabelos negros e olhos castanhos e depois de pagar eu guardo a notinha na bolsa para que possamos rachar a conta amanhã, quando todos estiverem sóbrios.

— Eu vou pegar os casacos de vocês, não se mecham! — avisa Duncan e vai até a moça que fica na entrada, logo ele retorna com nossos quatro casacos, ele é tão gentil.
— Obrigada, querido. Ouvi dizer que o seu nome é Duncan, a informação é correta? — pergunto com a voz arrastada, me coloco de pé e vejo tudo girar ao meu redor, mas tento me manter parada. Duncan me ajuda a vestir o casaco e pousa as duas grandes e macias mãos em meus ombros.
— Sim, linda. Meu nome é Duncan Sinclair, e o seu? — sua voz está bem próxima ao meu ouvido e seu hálito fresco me causa um leve arrepio que desce do pescoço até a base da minha coluna.
— Aliz Molnar, é um imenso prazer finalmente conhecê-lo, Duncan — ronrono me virando de frente para ele e esticando a mão, ele segura meus dedos e os leva até a boca para então beijá-los e sorri malicioso, meu coração acelera no peito.
— O prazer é todo meu, senhorita Molnar — ele segura minha mão por alguns longos segundos antes dos meus amigos bêbados fazerem um imenso barulho em comemoração e seguirem para a porta de saída.
— Que horas você larga? — pergunto rapidamente, antes dos meus amigos me abandonarem e irem embora sozinhos.
— Daqui a uma hora, mas hoje você está bêbada demais para me esperar, prefiro que vá para casa e volte em um outro dia para conversarmos melhor — ele fala docemente e me guia em direção a saída, meus amigos já estão lá fora me esperando.
— Tudo bem, em um outro dia então — concordo com um sorrisinho e me despeço dele com um beijo na bochecha.

    Passo pela recepcionista lhe dando um aceno de mão e olho para trás mais uma vez, Duncan ainda está no mesmo lugar me olhando com um meio sorriso que faz os cabelos da minha nuca se eriçarem, ele é realmente muito bonito. Estou tão ocupada olhando para trás, que não vejo o homem alto à minha frente e esbarro nele com tudo, minha vista turva também não ajuda e começo a me desculpar muitas vezes quando o sujeito se vira e me encara com gélidos olhos cor de avelã bem claros.

— Cuidado, menina! — a voz grossa dele reverbera em meus ouvidos e eu me encolho.
— Me perdoe, não o vi — gaguejo e ouço a minha própria voz desengonçada de quem bebeu além da conta, o vento gélido bate na minha pele nua exposta pelo vestido e eu puxo o casaco para me cobrir mais.
— Bem, isso é óbvio, não é mesmo?! — ele resmunga e revira os olhos. É um homem muito bonito, os olhos cor de avelã bem claro, com um leve fundo esverdeado impressionantemente lindo, os cabelos são de um preto intenso e tem um contraste lindo com a pele clara, ele tem a barba do mesmo tom do cabelo e, sinceramente, precisando de uma aparada, mas bem charmosa, o faz parecer mais homem. Senti que o reconhecia de algum lugar, mas a minha mente não conseguia raciocinar o suficiente para me lembrar por culpa de todo o álcool ingerido.

    Vejo Ezra e as garotas me esperando do outro lado da rua, eles dividem um cigarro entre os três e estão com as mãos enfiadas nos bolsos dos casacos, tentando se proteger do vento gélido de uma madrugada de Outono. Sinto meu corpo se balançar em direção a eles involuntariamente, mas meus pés não se mexem, minha cabeça dança de um lado para o outro lentamente, como quando eu era adolescente e estava no baile do último ano do ensino médio com um rapaz que não sabia dançar, então ficávamos apenas mexendo os corpos de um lado para o outro no ritmo da música, essa sensação é típica de quando eu bebo além da conta.

— Menina, me ouviu? — o rapaz pergunta, a voz um pouco menos brava, mas ainda impaciente. Percebo então que ele era um dos metidos a besta que estavam no reservado do bar. Um metido absurdamente lindo e rabugento.
— Desculpe? — repito abobalhada, ele revira os olhos mais uma vez e bufa. Seus amigos estão ocupados demais debatendo entre si para prestar atenção em nós e os meus amigos estão absortos demais em sua conversa e no cigarro compartilhado.
— Você está obviamente alcoolizada, está sozinha? — ele pergunta e eu olho de um lado para outro, em seguida volto meu olhar para Ezra e as garotas do outro lado da rua, ainda dividindo um cigarro e rindo.
— Ah, não, estou com meus amigos — aponto sutilmente o queixo em direção aos três patetas encolhidos de frio conversando entre si, não contenho um sorriso ao vê-los em forma de círculo para tentar conservar algum calor e impedir que o vento apagasse o cigarro valioso. Nikki estava abraçada com vigor a Ezra, enquanto Mandy mexia no celular na frente dos dois, o cigarro ainda estava passando por Ezra, que soltava baforadas densas para cima.
— Ótimo, é melhor você ir para casa, está tarde — ele resmunga, parece ser educado o suficiente para se preocupar com uma estranha, mas não parece feliz por ter que fazer isso.
— Sim, claro. Me desculpe novamente, senhor, tenha uma boa noite — murmuro rapidamente, envergonhada por tê-lo aborrecido, aceno discretamente com a cabeça e atravesso a rua andando depressa em direção ao pessoal, que abrem espaço na rodinha para me receber.
— Tudo certo, querida? Pensei que a havíamos perdido para o garçom bonitão — brinca Mandy e eu aceito o cigarro que Ezra me passa.
— Obrigada e não, ele vai trabalhar e, aparentemente, estou bêbada demais para levá-lo para minha casa, então ficou para outro dia — falo entre uma puxada no filtro e uma baforada no ar.
— Bêbada? Nossa, ele realmente não te conhece, você ainda está plenamente sóbria, imagina quando ele te ver bêbada de verdade — divertiu-se Nikki e todos rimos. Realmente, eu ainda estou sóbria em comparação ao porre surreal que tomei na virada do ano retrasado.

    Na virada do ano de 2015 para 2016 as meninas resolveram dar uma grande festa para alguns amigos, eu também fiquei animada com a ideia, afinal não é todo dia que todas nós concordamos em dar uma festa e desde que me mudei para lá só havia presenciado três festas na casa e todas foram maravilhosas.
    Depois de um Natal agitado com a família de Nikki em York, uma cidadezinha     
história no norte do condado de Yorkshire, nós retornamos à Londres para passar o fim de ano e planejar a festa, nós convidamos amigos de trabalho e vizinhos, cerca de umas trinta pessoas, o suficiente para encher a nossa casinha de três andares. Fizemos muitos petiscos e compramos um estoque grande de cerveja, vinho, vodka e tequila, o suficiente para encher a adega de bebidas de um supermercado pequeno, além de pedir a cada convidado para trazer uma garrafa de qualquer bebida ou uma grade de qualquer cerveja.
    Foi uma loucura, apesar de ter que respeitar o limite de barulho, mantivemos o som baixo e a festa rolou a madrugada inteira, nunca bebi tanto em toda minha vida, parecia festa de fraternidade, jogamos todos os tipos de jogos com bebidas: desde moeda no copo, até damas com shot no lugar de peças.
    Na época eu estava namorando um rapaz chamado Peter e na manhã seguinte após a festa eu o encontrei dormindo no banheiro do quarto de Nikki com uma garota desconhecida, eu estava com tanta ressaca que eu nem liguei, apenas mandei os dois embora e me tranquei no meu quarto pelo resto do fim de semana. Nos dias seguintes, depois da ressaca moral, eu percebi que nem ao menos fiquei brava por ele me trair, porque a festa tinha sido tão sensacional que eu tinha uma leve certeza de que o havia traído também e chifre trocado não dói, principalmente quando os dois estão chapados.

— Vamos embora, meninas, está ficando realmente frio — comentou Ezra quando a chama do cigarro finalmente chegou ao filtro.

    Me viro rapidamente para dar uma olhada na porta do bar antes de acompanhá-los e me surpreendo ao encontrar o rapaz alto com quem havia trombado, ele ainda está lá conversando com os amigos e está olhando em minha direção. Ele nem ao menos tenta disfarçar que estava me vigiando, então balanço a cabeça sutilmente cumprimentando-o, ele retribui o aceno e eu me viro para acompanhar os meus amigos pela rua Pembridge até em casa.






    Nunca fui uma grande fã da família real britânica. Na verdade, pouco sabia sobre eles quando morava em Budapeste; eram apenas uma família estrangeira muito conhecida e admirada pelos outros, que pouco me interessava.
    Isso mudou quando a doce e agitada Londres me adotou com tanto carinho há exatos 6 anos. A Inglaterra venera a família real, obviamente, e com o tempo eu fui desenvolvendo um apreço e uma admiração muito grande por cada um dos membros daquela influente família.
Londres me acolheu, me amou e me deu uma vida muito melhor do que a que eu costumava ter, nada mais justo que eu retribuir todo o amor, inclusive para com a família real, já que a Inglaterra e a Monarquia vêm no mesmo pacote.
    Lembro-me perfeitamente de minha chegada à cidade, do medo que eu sentia e da confusão de estar em um mundo completamente diferente do qual eu estava acostumada desde que nasci. O aeroporto Heathrow estava lotado de ingleses e turistas, era muito fácil identificar qual era qual, já que os ingleses têm uma aparência mais séria e parecem sempre estar com pressa, inclusive alguns são grosseiros ao pedir-lhes informação, aprendi do pior jeito a pedir informações somente a guardas ou funcionários de qualquer ambiente. Eu havia viajado com uma poupança acumulada ao longo dos anos, tinha o suficiente para as passagens e para sobreviver por alguns meses sem morrer de fome, mas precisava arranjar um emprego o quanto antes. Com uma destrambelhação já natural de mim, peguei um táxi do aeroporto até a casa em que moraria, que pertencia a duas amigas, Nikki e Amanda.
        Nikki foi uma grande amiga que conheci através da internet aos 16 anos, ela me deu força para sair de casa e ir morar em Londres, onde ela tinha uma casa que dividia com outra amiga, Amanda, e ambas abriram um espaço para mim na casa delas. Nikki me ajudou muito desde o começo, a casa dela tinha apenas dois quartos, mas ela transformou a sala de jantar em outro quarto apenas para que eu pudesse viver lá com elas. Por ser em Notting Hill, achei que o aluguel do quarto me custaria os olhos da cara, mas a minha anjo da guarda me fez um preço muito camarada para morar lá, Nikki definitivamente era a minha fada madrinha e eu devo muito a ela desde que a conheci.
    Nós moramos na famosa rua Portobello Road, a mesma do filme "Um Lugar Chamado Notting Hill", estrelado por Julia Roberts e Hugh Grant. Moramos em uma adorável casa pequena azul de três andares, nos andares de cima há dois quartos e dois banheiro, o quarto do segundo andar é de Nikki, a dona obviamente, e o quarto do terceiro andar pertence a Amanda, o primeiro andar é constituído por uma salinha de estar aconchegante, uma cozinha apertada, mas muito prática, banheiro junto com lavanderia (que é uma máquina de lavar e outra de secar), e uma sala de jantar que foi transformada em mais um quarto. Eu moro no quarto que antes era uma sala de jantar, é espaçoso o suficiente e perto do banheiro, o que é uma grande vantagem, assim ninguém precisa esperar a outra terminar de usar o banheiro. Apesar da casa ter três andares, ela é bem apertada, por isso os andares de cima são apenas quartos, não há espaço para muito mais que isso.
    A minha convivência com as garotas é a melhor possível, somos como três irmãs morando juntas, dividimos tudo, desde as contas até as roupas, damos privacidade umas às outras e somos livres pra trazer qualquer pessoa para casa, coisa que eu não poderia fazer na minha própria casa em Budapeste. O quarto membro da família é o Ezra, namorado da Nikki, ele é outro anjo da guarda na minha vida, um irmão que nunca tive, ele conseguiu um ótimo emprego para mim na cidade e desde então nos tornamos bons amigos, irmãos mesmo.
    O meu primeiro emprego ao chegar na cidade foi em um Mc Donald's horroroso que me pagava muito mal, mas Ezra foi o anjo que me conseguiu uma vaga no restaurante em que ele trabalha, que é onde trabalho há 4 anos. The Orangery Restaurant é um restaurante que fica anexo ao Palácio de Kensington, onde mora o herdeiro do trono, o príncipe Sebastian, mas vê-lo é impossível, já que a parte que ele ocupa é protegida por guardas reais 24 horas por dia. O Orangery fica de frente para o jardim de entrada de Kensington e é uma linda visão para se ter diariamente. Além da paisagem, de ser tão perto do príncipe e das ótimas amizades que fiz, fica somente a 25 minutos a pé da minha casa.
    Ser garçonete do Orangery é um trabalho puxado, mas também é muito lucrativo e proporciona uma interação gostosa com turistas e londrinos que aparecem a qualquer hora do dia. Toda manhã eu saio de casa às 9 da manhã, tomo café em uma cafeteria pequena e aconchegante perto de casa, que tem um preço bem em conta, e então sigo para o palácio, trabalho na Orangery das 10 da manhã às 18 da noite, tenho um intervalo de 30 minutos às 11:30, que gasto na cafeteria ao lado do restaurante geralmente com alguns amigos do trabalho, e folgo aos finais de semana. É o trabalho dos sonhos para mim.
    Sair da minha cidade aos 18 anos e abandonar a minha casa foi uma das decisões mais corajosas que já tive que tomar em toda a minha vida, mas necessária. Sim, eu tinha uma família que possuía uma grande fortuna. Sim, eu tinha uma vida muito confortável, se é o que acham. Mas além de todos os privilégios que eu tinha, as obrigações que vinham junto eram sufocantes, se eu ficasse lá, eu teria que me casar com um sujeito escolhido pelos meus pais. Então eu fui embora sem olhar para trás.
    Nunca fui burra, desde cedo pedi ajuda de uma tia para abrir uma conta poupança para mim e todo dinheiro que eu ganhava colocava nela, juntei o suficiente para pagar a passagem e para me manter por alguns meses caso não conseguisse um emprego. Pois desde sempre eu soube o meu futuro, ou obedecia às regras do meu pai, ou era colocada para fora de casa. Aguentei isso até os 18 anos, a idade em que eles decidiram que eu precisava me casar e escolheram um investidor da empresa que meu pai é CEO, um velho com o dobro da minha idade, para me desposar.
    Durante toda a minha vida eu tive que agir como um robozinho para agradar o senhor todo-poderoso Otto Molnar, dono de uma cadeia de empresas muito importante em Budapeste e rei dos congelados, literalmente. Uma de suas empresas é fabricante de comida congelada, a melhor e mais popular do país.
    A rainha Nora Molnar, minha mãe, passa longe de ser uma esposa-troféu, ela é o braço direito do meu pai e também possui algumas empresas bem-sucedidas, desde salões de beleza e spa, à fábricas têxteis e ateliês espalhados pela capital. Minha família é uma das mais ricas e importantes da Hungria e isso sempre teve um peso muito grande sobre mim, filha única e herdeira do império Molnar. Agora percebo que viver com eles era quase como ser membro da família real, eu precisava sempre estar atenta ao meu modo de agir, de vestir e nunca poderia ter como companhia pessoas que não foram previamente aprovadas pelo meu pai.
    Era uma completa tortura, eu estudei a vida inteira em casa, não tive amigos, nem podia se quer sonhar em me relacionar com rapazes, pois fui prometida desde cedo ao investidor de uma das empresas do meu pai. Eu era um passarinho preso em uma gaiola de ouro até completar os meus 16 anos, que foi quando me rebelei e comecei a mostrar ao meu pai que eu não seria mais um robô feito sob medida para ele. E aos 18 eu finalmente pude abandonar o ninho e começar do zero, ser finalmente uma pessoa normal.
    Londres me deu uma segunda chance, me deu amigos que agora são minha família, me deu uma moradia e o amor que eu nunca tive.
    Logo no primeiro ano morando aqui eu já tive que aprender como funcionava a família real, já que todos os ingleses adoravam falar sobre eles e eu precisava estar por dentro do assunto para que não parecesse deslocada ou até mesmo desrespeitosa para com meus anfitriões.
    A rainha Francesca, que está atualmente no trono, tem seus bem vividos 95 anos, é uma senhora viúva do príncipe consorte Thomas, que morreu há 20 anos de um infarto agudo do miocárdio. Desde a morte de seu marido Francesca tem vivido em luto, sempre trazendo em suas roupas ou acessórios algum tom de preto, para simbolizar seu luto. A rainha é mãe do príncipe George, o primeiro na linha de sucessão ao trono, e da princesa Victória. Ela vive atualmente no palácio de Buckingham, em Westminster.
    O príncipe George, primogênito da rainha, casou-se aos 24 anos com Meredith Brown, uma plebeia que na época tinha 20 anos e logo se tornou princesa. O casal teve seu primogênito, Ethan, alguns anos após o casamento. Sebastian nasceu 10 anos depois, sendo seguido com um intervalo de 3 anos pelos gêmeos Peter e Louise. Atualmente o príncipe George tem 69 anos e aguarda a sua vez de subir ao trono. Ele e a esposa moram atualmente em Clarence House, que é vinculado ao palácio de St. James, um dos mais antigos da Inglaterra e atual centro administrativo da realeza britânica.
    O príncipe Ethan seria o segundo na linha de sucessão ao trono, se não fosse por uma fatídica tragédia que tirou a vida do futuro rei da Inglaterra e de sua noiva, Millene Davidson. Há 10 anos, durante uma viagem noturna de volta à Londres, as pistas lisas de um inverno rigoroso causaram o capotamento do carro em que o príncipe e a noiva, Millene, estavam resultando na morte de ambos, que sem herdeiros passaram a sucessão para Sebastian. Sebastian tinha apenas 18 anos quando o irmão faleceu.
    O segundo lugar na sucessão ao trono da Inglaterra é do charmoso príncipe Sebastian, que já tem 28 anos e está solteiro, aparentemente sem pressa de buscar uma esposa e filhos para dar continuidade a linhagem real. Ele vive em um dos apartamentos reais no palácio de Kensington e quando se casar ocupará o apartamento oficial que fora da irmã da rainha Francesca, princesa Judith, também no palácio de Kensington
    Os gêmeos Peter e Louise, de 25 anos, ficam com o terceiro e quarto lugar respectivamente na linha de sucessão, pelo menos até Sebastian ter filhos, então os lugares pertencerão aos filhos de Sebastian. Peter está atualmente servindo ao exército britânico e Louise se formando na prestigiada faculdade de Cambridge.
    É constante a presença de ao menos um membro da família real nos eventos da cidade, o que aparece com mais frequência é Sebastian, mais amado principalmente pelas mulheres do mundo todo. Príncipe Sebastian é carismático e absolutamente lindo, um cavalheiro distinto e muito educado, é impossível não simpatizar com o rapaz. Confesso que eu só compareço aos eventos para vê-lo, mesmo que de longe, pois ele é uma obra de arte viva com aqueles olhos claros e os cabelos negros, ele tem um porte de homem importante e o ar de menino malvado.
    Lembro-me da primeira vez que o vi na tevê no enterro de seu irmão e cunhada, eu tinha já os meus 14 anos e o príncipe tinha 18, ele já tinha o porte de homem importante mesmo tão jovem.

– Corra, querida, vai perder os jovens príncipes – gritou Dorothy, a minha babá que sempre estava comigo.
– É triste demais, prefiro não ver, Doty – murmurei, mas mesmo assim corri até a cozinha para ter uma bela visão do príncipe Sebastian na tevê de 55 polegadas presa na parede, ele era uma bela visão e me partiu o coração vê-lo com um olhar tão triste.
– Pobrezinhos, deve ser horrível perder um irmão tão jovem e de uma forma tão repentina – falou Doty e eu concordei com um aceno de cabeça, sentia a tristeza de toda a família e não conseguia imaginar como era sentir-se assim e ainda ter que aparecer na televisão para o mundo inteiro ver.
– O pior de tudo é ter que compartilhar com o mundo cada segundo de suas vidas, dá pra imaginar como foi pra eles verem as fotos do príncipe Ethan e de Millene no local do acidente, eu fiquei com o estômago embrulhado – falei baixinho, concentrada em olhar os príncipes Sebastian e Peter na tela da tevê.
– É, essa é a parte ruim de ser tão famoso, o mundo sabe de cada passo que você dá, querida. Nada no mundo paga o preço da privacidade, que é uma coisa que essas pessoas não possuem desde que nasceram.

    Naquele dia eu aprendi duas coisas: que ser famoso é uma merda e que o príncipe Sebastian era um homão da porra.
    Daquele dia em diante eu não o via muito, mas só foi eu me mudar para Londres que ele se tornou como um ídolo teen, sempre que possível eu ia a eventos ou assistia a tevê somente para vê-lo.


Por: Milinha Malik. Tecnologia do Blogger.

Um Amor Real

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